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domingo, 2 de março de 2025

DO JIU-JÍTSU AO JUDÔ – 1ª PARTE

 

DO JIU-JITSU AO JUDÔ

A Restauração Meiji e a transformação do Japão


Samurais do clã Satsuma, membros da Aliança Satchō, lutando do lado imperial durante o período da Guerra Boshin – Foto: Felice Beato



A Restauração Meiji teve início em 1868, como resposta às pressões internas e externas que o Japão enfrentava no fim do período Tokugawa (1603 – 1868). Durante séculos, o país esteve isolado do mundo, sob a política do sakoku (fechamento do país), mas esse isolamento foi abruptamente interrompido em 1853, quando o comodoro americano Matthew Perry chegou ao Japão e exigiu a abertura dos portos ao comércio internacional. A presença de Perry expôs as fragilidades militares e econômicas do shogunato Tokugawa, colocando o país em uma situação de vulnerabilidade.

Internamente, o descontentamento com a liderança Tokugawa crescia. Samurais, camponeses e clãs regionais demonstravam insatisfação, especialmente pela incapacidade do shogunato de resistir às potências ocidentais. Clãs influentes, como Satsuma e Choshu, uniram forças para pressionar pela derrubada do shogunato e defender a restauração do poder imperial, como forma de unificar o país e modernizá-lo para enfrentar as ameaças externas.


“A Agência da Casa Imperial escolheu Uchida Kuichi, um dos fotógrafos mais renomados do Japão na época, como o único artista autorizado a fotografar o Imperador Meiji em 1872 e novamente em 1873. Até então, nenhum imperador havia sido fotografado. Uchida estabeleceu sua reputação fazendo retratos de samurais leais ao xogunato Tokugawa.”



A ARTE MARCIAL EM DECLÍNIO E A RESISTÊNCIA DO JIU-JÍTSU

Embora a Rebelião Satsuma, em 1877, retratada no filme o Último Samurai, tenha reacendido o interesse por algumas artes marciais, o Jiu-Jítsu ainda enfrentava forte discriminação. A prática era vista como antiquada, associada a encrenqueiros, e, frequentemente, perigosas demonstrações públicas reforçavam sua má reputação. Instrutores ensinavam golpes perigosos, até mesmo para crianças, e muitos iniciantes se machucavam ao treinar com praticantes experientes.

 

JIGORO KANŌ E A TRANSFORMAÇÃO DO JIU-JÍTSU

Foi nesse cenário que surgiu Jigoro Kanō, nascido em 28 de outubro de 1860. Jovem, frágil e frequentemente humilhado em brigas escolares, Kanō decidiu aprender Jiu-Jítsu, mesmo contra o conselho de ex-praticantes. Sua jornada começou em 1877, na escola Tenshin Shinyō-ryū, com Fukuda Hachinosuke, e continuou com outros mestres, como Iso Masatomo e Likubo Tsunetoshi, da escola Kito-ryū. Kanō soube aproveitar os pontos fortes de ambas as escolas e compensar suas lacunas, desenvolvendo um estilo único que se tornaria o Judô Kodokan.

Retrato do falecido Sr. Kanō



A CRIAÇÃO DO JUDÔ KODOKAN

Kanō redefiniu o propósito do Jiu-Jítsu. Em vez de focar apenas no combate, ele colocou o aprimoramento físico, mental e moral como objetivos principais, relegando o combate a um meio para alcançá-los. Essa abordagem transformou a prática, tornando-a mais acessível e alinhada à sociedade moderna. O novo nome, Judô (Caminho Suave), refletia essa mudança, enquanto Kodokan significava “Instituto do Caminho da Fraternidade” (Ko – fraternidade, Do – caminho, Kan – instituto).

 

A VISÃO DE JIGORO KANŌ PARA O JUDÔ

Jigoro Kanō tinha um objetivo claro ao criar o Judô, como ele mesmo explicou: “Eu estudei jujutsu não somente porque o achei interessante, mas também porque compreendi que seria o meio mais eficaz para a educação do físico e do espírito. Porém, era necessário aprimorar o velho jujutsu para torná-lo acessível a todos, modificando seus objetivos, que não eram voltados para a educação física ou moral, nem muito menos para a cultura intelectual. Por outro lado, embora as escolas de jujutsu tivessem suas qualidades, elas também apresentavam muitos defeitos. Concluí que era necessário reformular o jujutsu como uma arte de combate. Quando comecei a ensinar, o jujutsu estava em descrédito. Alguns mestres ganhavam a vida organizando espetáculos entre seus alunos, promovendo lutas e cobrando ingresso para quem quisesse assistir. Outros se apresentavam como artistas de luta ao lado de lutadores de sumô. Essas práticas degradantes prostituíam uma arte marcial, e isso me era repugnante. Eis a razão de eu ter evitado o termo jujutsu e adotado o termo judô. Para distinguir minha escola da academia Jikishin Ryū, que também utilizava o nome judô, denominei minha escola de Judô Kodokan, apesar de o nome parecer um pouco longo.”

Assim, Jigoro Kanō não apenas fundou o Kodokan, mas também redefiniu os valores e objetivos das artes marciais no Japão, criando um sistema que priorizava o desenvolvimento físico, mental e moral, além de resgatar a dignidade de uma prática ancestral.

 

O SISTEMA DO JUDÔ KODOKAN

Como explicado acima, o sistema de Kanō foi dividido em três pilares: luta, treinamento físico e treinamento mental. A prática incluía o randori (prática livre) e os katas (formas técnicas), que foram sistematizados para facilitar o aprendizado em grupos maiores. Kanō desenvolveu e adaptou técnicas de diversas escolas, criando um repertório estruturado e eficiente.

Entre os katas criados estavam o Kime no Kata (defesa pessoal), Itsutsu no Kata (as cinco formas), Katame no Kata (formas de controle corpo a corpo) e Go no Kata (formas de força). Essas técnicas foram fundamentais para consolidar o Judô Kodokan como uma arte marcial completa e moderna.

 

O LEGADO DE KANŌ

Jigoro Kanō alcançou seus objetivos: transformou o Jiu-Jítsu em uma prática universal, promovendo o desenvolvimento integral do indivíduo e garantindo a sobrevivência da arte em uma sociedade moderna. Sua criação, o Judô, influenciou profundamente o criador do Jiu-Jítsu Brasileiro, o Grão-Mestre Carlos Gracie (por meio dos ensinamentos de Mitsuyo Maeda, o “Conde Koma”, faixa preta da Kodokan), e permanece como um marco no mundo das artes marciais.


O judoca japonês naturalizado brasileiro, Mitsuyo Maeda (Otávio Maeda), o “Conde Koma” no 4º dan



Santuário Meiji em Tóquio, Japão




Referência de artigo 

CARLOS LIBERI – Mestre de Jiu-Jítsu, faixa-coral (sétimo grau); membro do Conselho Diretor da Gracie Barra Flórida, instrutor-chefe da GB Sanford e da GB Campinas. Especialista em história e filosofia das artes marciais pelas Faculdades Integradas de Santo André (FEFISA).