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domingo, 2 de março de 2025

AS ORIGENS DO JIU-JÍTSU – PARTE 2

 

AS ORIGENS DO JIU-JITSU

Essa luta foi criada na Índia? 


A resposta a essa pergunta no subtítulo é um retumbante “NÃO”. Mas por que tantos mestres e professores insistem em afirmar isso?

A razão é simples: há uma grande confusão entre fatos históricos, tradições orais sem comprovação científica, mitos e lendas que foram perpetuados ao longo do tempo. Vamos então aos fatos.

A origem das artes marciais é uma questão complexa e praticamente impossível de determinar com precisão. Se considerarmos que o termo “arte marcial” se refere ao treinamento de soldados para a guerra, essas práticas surgiram em diferentes culturas, em épocas e contextos distintos.

Sabemos que quase todos os povos antigos tinham algum sistema de combate corpo a corpo, mas a documentação mais antiga aponta a Índia e a China como berços de várias artes marciais milenares.

Gangaram Chintaman Tambat, ativo na década de 1790, anglo-indiano, sem data, aquarela e grafite com caneta e tinta marrom em papel creme médio, levemente texturizado


Na Índia, duas das artes marciais mais antigas conhecidas são o Kalari Payattu e o Vajra Mushti. O Kalari Payattu (“payattu” significa treinamento de combate; “kalari” se refere ao espaço ou ginásio no qual ele é praticado) era muito comum principalmente na região de Kerala, e sua origem remonta a mais de 3.000 anos.

A prática envolve técnicas de luta armada e desarmada, além de um componente espiritual, com ligações com o hinduísmo e o budismo. Já o Vajra Mushti (“vajra” significa cetro ou arma divina; “mushti”, golpe ou soco) era uma técnica de luta desarmada praticada pelos guerreiros da casta Xátria.

A Índia se tornou uma sociedade rigidamente estratificada depois das invasões dos arianos, absorvendo a religião e as tradições desses povos, inclusive suas artes de combate.

Segundo a hipótese mais aceita por acadêmicos, os arianos, povos indo-europeus das estepes da Ásia Central, invadiram o norte da Índia por volta de 1.500 a.C., estabelecendo o sistema de castas e introduzindo a religião védica.

Eles trouxeram consigo técnicas de combate que, com o tempo, foram incorporadas e adaptadas às tradições locais. Esses métodos de luta, transmitidos de geração a geração, poderiam ser algumas das mais antigas formas de combate corpo a corpo metodizadas conhecidas.

Enciclopédia Ilustrada da China (Morokoshi Kinmō Zui Tang Tu Xun Meng La Hui), 1718-1719


Já na China, as referências às artes marciais são igualmente antigas e repletas de simbolismo cultural. O Jiao Di (角抵) é uma das mais antigas formas documentadas de combate chinês.

Originado durante a dinastia Xia (2.070 a.C. – 1.600 a.C.), Jiao Di era uma forma de luta que envolvia o uso de capacetes com chifres e na qual os competidores tentavam derrubar seus adversários.

Ao longo dos séculos, esse combate evoluiu para o Shuai Jiao (摔跤), uma luta de arremesso e projeções que tem semelhanças com o judô e o jiu-jítsu, mas com raízes muito mais antigas.

O ideograma para Shuai () significa “jogar no chão”, e Jiao () significa “arremesso”, destacando a ênfase da técnica em quedas e controle do oponente.

Estas formas de combate corpo a corpo eram usadas tanto em batalhas quanto em competições, e são documentadas desde a dinastia Zhou (1.046 a.C. – 256 a.C.).

O Shuai Jiao foi amplamente praticado pelos exércitos da dinastia Han (202 a.C. – 220 d.C.) e continua a ser uma parte importante da cultura marcial chinesa, rivalizando em antiguidade com as artes marciais indianas.


A pintura da Dinastia Qing retrata uma academia de treinamento de artes marciais chinesas. Dois mestres estão sentados. Vários pares de alunos praticam movimentos de artes marciais

 

Voltando ao mito de que o Jiu-Jítsu teria origem na Índia, podemos entender de onde essa confusão se origina, ao examinarmos a relação entre a Índia, a China e o Japão no contexto da disseminação do budismo.

Siddhartha Gautama, o Buddha (563 a.C. – 483 a.C.), nasceu como príncipe da casta Xátria, e é provável que tenha sido treinado em artes marciais como parte de sua educação.

Após sua “iluminação”, ele renunciou à violência, mas isso não impediu que muitos monges budistas, em tempos posteriores, adotassem as artes marciais para autodefesa durante suas peregrinações.

A chegada do budismo à China é um ponto crucial nessa história. Acredita-se que o budismo tenha sido introduzido na China por volta de 25 d.C., durante o reinado do imperador Ming, da dinastia Han do Leste.

Com essa chegada, houve um sincretismo entre o budismo, o confucionismo e o taoismo, bem como entre estilos de artes marciais chinesas, como o Kung Fu (Wu Shu).

O famoso 29º patriarca do budismo, Bodhidharma (Ta Mo em chinês, Daruma em japonês, 440 d.C. – 528 d.C.), é amplamente creditado como o responsável por conectar o budismo à prática marcial.

Ele viajou para a China por volta do século V e se estabeleceu no famoso Templo Shaolin, onde fundou a escola de Kung Fu Shaolin e o budismo Chan, que mais tarde se tornou o Zen no Japão.

A partir daí, várias tradições marciais e espirituais se interligaram, e é provável que essa associação entre monges budistas e artes marciais tenha levado à ideia errônea de que o Jiu-Jítsu teria nascido na Índia.

 

Uma representação do primeiro ensinamento do Buda aos seus discípulos – Foto de Anandajoti Bhikkhu


No entanto, o Jiu-Jítsu, tal como o conhecemos, tem suas raízes no Japão feudal, desenvolvido por samurais durante o período Heian (794 – 1185 d.C.) e refinado ao longo dos séculos seguintes.

O termo “Jiu-Jítsu” aparece pela primeira vez nos anais da história do Japão por volta do século XVI, durante a guerra civil japonesa (período Sengoku).

Jiu-Jítsu (柔術) significa “arte suave” e reflete o princípio de utilizar a força do oponente contra ele, algo que difere das formas de combate mais brutais e diretas vistas em outras culturas.

Portanto, por conta da intensa influência cultural e religiosa da China no Japão (até os ideogramas são os mesmos), pode-se dizer que as artes marciais japonesas têm em seus “DNAs” genes originários da Índia e, mais fortemente, da China.

 

Referência de artigo 

CARLOS LIBERI – Mestre de Jiu-Jítsu, faixa-coral (sétimo grau); membro do Conselho Diretor da Gracie Barra Flórida, instrutor-chefe da GB Sanford e da GB Campinas. Especialista em história e filosofia das artes marciais pelas Faculdades Integradas de Santo André (FEFISA).