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domingo, 2 de março de 2025

JUDÔ KODOKAN X JIU-JÍTSU – PARTE 2

 

JUDÔ KODOKAN X JIU-JITSU

Os combates de rua e desafios diretos


Os primeiros anos e os desafios informais (1882 – 1886)

Em 1882, Jigoro Kano fundou a Kodokan com a intenção de modernizar o Jiu-Jítsu, criando uma arte marcial que não fosse apenas eficaz em combate, mas também contribuísse para o desenvolvimento físico, mental e moral. Kano começou com poucos alunos, ocupando um espaço modesto no templo Eishoji, em Tóquio. Entre os primeiros estudantes estavam Shiro Saigo (que merece um artigo à parte), Yoshikazu Yamashita, Sakujiro Yokoyama e Tsunejiro Tomita, que logo se destacariam em desafios e ficariam conhecidos como “Os Quatro Cavaleiros Celestiais”.

No Japão do período Meiji, era comum que mestres e alunos de diferentes escolas testassem suas habilidades em combates de rua ou desafios diretos.

Nos primeiros anos, a Kodokan enfrentou resistência das escolas tradicionais de Jiu-Jítsu, que viam o Judô como uma inovação “menos legítima”.


Os quatro cavaleiros celestiais da Kodokan.




Kano e seus alunos participavam de lutas informais contra praticantes de escolas tradicionais, como a Tenshin-shinyo-ryu e a Kito-ryu. A ênfase do Judô em técnicas de projeção (tachi-waza) e princípios como o uso eficiente da energia começou a mostrar resultados, com vitórias que deram notoriedade à Kodokan. Esses resultados nos desafios de rua levaram muitas escolas tradicionais a verem o Judô como uma ameaça à sua legitimidade. Elas queriam provar, por meio de combates, que suas técnicas ainda eram superiores. Foi nesse contexto de rivalidade que o experiente lutador Seki Juro, da tradicional escola Yoshin-ryu, decidiu desafiar a Kodokan. Para ele, derrotar um judoca seria uma forma de reafirmar a superioridade do Jiu-Jítsu tradicional sobre o novo sistema de Kano.

O desafio foi aceito pela Kodokan, e o escolhido para representá-la foi Shiro Saigo, um dos alunos mais talentosos de Kano. Apesar de jovem e de porte pequeno, Saigo já havia ganhado notoriedade por sua habilidade técnica, força desproporcional à sua estatura e, principalmente, por sua destreza em aplicar a técnica Yama-arashi (“tempestade na montanha”). Ele era uma figura que simbolizava o espírito do Judô: eficiência e precisão superando a força bruta.

Quando o dia da luta chegou, o ambiente estava carregado de expectativa. Seki, maior e mais experiente, entrou confiante. Sua postura transmitia a segurança de alguém que acreditava que o Judô não passava de uma variação inferior do Jiu-Jítsu tradicional. Saigo, por outro lado, mantinha-se sereno, confiando nos ensinamentos de Kano e nos princípios que ele tanto prezava, como o Seiryoku Zenyo (uso eficiente da energia).

A luta começou com Seki tentando impor sua força e experiência. Ele avançou com agressividade, buscando dominar Saigo rapidamente. Porém, foi nesse momento que o jovem judoca demonstrou a essência do Judô: em vez de resistir diretamente, ele aproveitou o movimento de Seki para desequilibrá-lo. Em um instante de perfeita sincronia, Saigo aplicou o lendário Yama-arashi. A projeção foi tão rápida e poderosa que Seki foi arremessado ao chão sem chance de reação. A luta estava terminada.

Shiro Saigo demonstrando o Yama Arashi





A vitória de Shiro Saigo foi não apenas uma vitória pessoal, mas um marco na história da Kodokan. Ela reforçou a eficácia do Judô frente às escolas tradicionais e demonstrou que o sistema de Kano, baseado em princípios científicos e adaptáveis, estava à frente das práticas tradicionais do Jiu-Jítsu. Seki, por mais habilidoso que fosse, viu-se derrotado por alguém que soube usar a técnica com inteligência e eficiência, superando as vantagens físicas do oponente.

Esse desafio teve um impacto profundo na trajetória da Kodokan. Ele solidificou a reputação do Judô como uma arte marcial moderna e eficaz e elevou Shiro Saigo ao status de lenda. Sua habilidade e espírito de luta se tornaram símbolos do que o Judô representava: não apenas força, mas também estratégia, adaptação e respeito aos princípios.

Episódios como o de Seki e Saigo ajudaram a construir o legado do Judô, transformando-o em uma arte marcial que não apenas superou as escolas tradicionais, mas também evoluiu para se tornar uma disciplina mundialmente reconhecida. A “tempestade na montanha” de Saigo continua a ecoar como uma das grandes histórias dos primórdios do Judô.

O torneio histórico contra a Ryoi Shinto-ryu (1886)

Em 1886, a polícia metropolitana de Tóquio organizou um torneio para decidir qual escola deveria treinar suas forças. Duas escolas principais se enfrentaram, a Kodokan (Judô), representando o novo sistema de Kano que ganhou fama por causa dos desafios que venceu, e a Ryoi Shinto-ryu (Jiu-Jítsu), uma escola tradicional com reputação consolidada.

Realizado no dojô da polícia, o torneio contou com 15 lutas oficiais. Shiro Saigo, aluno de Kano, destacou-se, ao usar sua famosa técnica Yama-arashi (tempestade na montanha) para derrotar adversários mais pesados. A Kodokan venceu 13 lutas, empatou 2 e perdeu apenas 1. Essa vitória estabeleceu o Judô como o sistema marcial mais eficaz da época, garantindo seu uso pela polícia e aumentando a reputação da Kodokan.

O confronto com a Fusen-ryu (1900)

No início do século XX, a Kodokan lançou desafios em jornais, o que a levou a enfrentar a Fusen-ryu, liderada por Mataemon Tanabe. Diferentemente de outras escolas, a Fusen-ryu priorizava o ne-waza (técnicas de luta no chão), algo que não era o foco principal do Judô na época. A estratégia da Fusen-ryu era evitar o confronto em pé, os lutadores sentavam-se, atraindo os judocas para o chão, e usavam estrangulamentos, imobilizações e chaves para vencer. Isso fez com que a Kodokan sofresse várias derrotas, expondo uma fraqueza significativa no combate no solo.

ataemon Tanabe demonstrando um Juji Gatame





A resposta de Kano

Reconhecendo a superioridade da Fusen-ryu no ne-waza, Kano agiu com humildade e pragmatismo e convidou Tanabe e outros mestres da Fusen-ryu para ensinar na Kodokan. Kano incorporou intensivamente o treino de ne-waza ao currículo do Judô. Esse episódio marcou a evolução do Judô para uma arte marcial mais completa, equilibrando o tachi-waza com o ne-waza. Essa mudança teve influência direta no desenvolvimento do Brazilian Jiu-Jítsu, por meio de Mitsuyo Maeda, o “Conde Koma”.

 

A consolidação contra outras escolas (1900 – 1920)

Nos anos seguintes, a Kodokan enfrentou praticantes de outras escolas de Jiu-Jítsu que buscavam recuperar prestígio ou provar a superioridade de seus estilos. Graças ao aprimoramento no ne-waza e a já consagrada habilidade no tachi-waza, a Kodokan conseguiu dominar esses desafios. As vitórias consistentes solidificaram o Judô como o sistema marcial dominante no Japão, com outras escolas de Jiu-Jítsu entrando em declínio.

Jigoro Kano (figura central sentada) com Mataemon Tanabe (em pé e lateralizado à direita), integrando o grupo de mestres da Kodokan





Por que esses desafios foram cruciais?

Cada confronto trouxe novas lições, levando a adaptações que tornaram o Judô mais eficiente e versátil. A abordagem de Kano demonstrou os princípios de aprendizado contínuo e humildade, essenciais para o Judô como arte marcial e filosofia de vida. Os desafios moldaram o Judô como uma arte marcial moderna e global, influenciando disciplinas como o Brazilian Jiu-Jítsu e o Sambo. Esses desafios não só definiram o Judô como uma arte marcial distinta, mas também estabeleceram Jigoro Kano como um líder visionário, disposto a aprender com os desafios e a adaptar sua criação para torná-la universal.

Diante de tudo isso, os leitores devem estar se perguntando: por que o nome Jiu-Jítsu prevaleceu no Brasil? A resposta a essa pergunta, apesar de muito interessante e importante, será dada nos próximos artigos.

 

 

Referência de artigo 

CARLOS LIBERI – Mestre de Jiu-Jítsu, faixa-coral (sétimo grau); membro do Conselho Diretor da Gracie Barra Flórida, instrutor-chefe da GB Sanford e da GB Campinas. Especialista em história e filosofia das artes marciais pelas Faculdades Integradas de Santo André (FEFISA).