JUDÔ KODOKAN X JIU-JITSU
Os combates de rua
e desafios diretos
Os primeiros anos e os desafios informais (1882 – 1886)
Em 1882, Jigoro Kano fundou a Kodokan com a intenção de
modernizar o Jiu-Jítsu, criando uma arte marcial que não fosse apenas eficaz em
combate, mas também contribuísse para o desenvolvimento físico, mental e moral.
Kano começou com poucos alunos, ocupando um espaço modesto no templo Eishoji,
em Tóquio. Entre os primeiros estudantes estavam Shiro Saigo (que merece um
artigo à parte), Yoshikazu Yamashita, Sakujiro Yokoyama e Tsunejiro Tomita, que
logo se destacariam em desafios e ficariam conhecidos como “Os Quatro
Cavaleiros Celestiais”.
No Japão do período Meiji, era comum que mestres e alunos de
diferentes escolas testassem suas habilidades em combates de rua ou desafios
diretos.
Nos primeiros anos, a Kodokan enfrentou resistência das
escolas tradicionais de Jiu-Jítsu, que viam o Judô como uma
inovação “menos legítima”.
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Os quatro cavaleiros celestiais da Kodokan.
Kano e seus alunos participavam de lutas informais contra
praticantes de escolas tradicionais, como a Tenshin-shinyo-ryu e a Kito-ryu. A
ênfase do Judô em técnicas de projeção (tachi-waza) e princípios como o uso
eficiente da energia começou a mostrar resultados, com vitórias que deram
notoriedade à Kodokan. Esses resultados nos desafios de rua levaram muitas
escolas tradicionais a verem o Judô como uma ameaça à sua legitimidade. Elas
queriam provar, por meio de combates, que suas técnicas ainda eram superiores.
Foi nesse contexto de rivalidade que o experiente lutador Seki Juro, da
tradicional escola Yoshin-ryu, decidiu desafiar a Kodokan. Para ele, derrotar
um judoca seria uma forma de reafirmar a superioridade do Jiu-Jítsu tradicional
sobre o novo sistema de Kano.
O desafio foi aceito pela Kodokan, e o escolhido para
representá-la foi Shiro Saigo, um dos alunos mais talentosos de Kano. Apesar de
jovem e de porte pequeno, Saigo já havia ganhado notoriedade por sua habilidade
técnica, força desproporcional à sua estatura e, principalmente, por sua
destreza em aplicar a técnica Yama-arashi (“tempestade na montanha”). Ele era
uma figura que simbolizava o espírito do Judô: eficiência e precisão superando
a força bruta.
Quando o dia da luta chegou, o ambiente estava carregado de
expectativa. Seki, maior e mais experiente, entrou confiante. Sua postura
transmitia a segurança de alguém que acreditava que o Judô não passava de uma
variação inferior do Jiu-Jítsu tradicional. Saigo, por outro lado, mantinha-se
sereno, confiando nos ensinamentos de Kano e nos princípios que ele tanto
prezava, como o Seiryoku Zenyo (uso eficiente da energia).
A luta começou com Seki tentando impor sua força e
experiência. Ele avançou com agressividade, buscando dominar Saigo rapidamente.
Porém, foi nesse momento que o jovem judoca demonstrou a essência do Judô: em
vez de resistir diretamente, ele aproveitou o movimento de Seki para
desequilibrá-lo. Em um instante de perfeita sincronia, Saigo aplicou o lendário
Yama-arashi. A projeção foi tão rápida e poderosa que Seki foi arremessado ao
chão sem chance de reação. A luta estava terminada.
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Shiro Saigo demonstrando o Yama Arashi |
A vitória de Shiro Saigo foi não apenas uma vitória pessoal,
mas um marco na história da Kodokan. Ela reforçou a eficácia do Judô frente às
escolas tradicionais e demonstrou que o sistema de Kano, baseado em princípios
científicos e adaptáveis, estava à frente das práticas tradicionais do
Jiu-Jítsu. Seki, por mais habilidoso que fosse, viu-se derrotado por alguém que
soube usar a técnica com inteligência e eficiência, superando as vantagens
físicas do oponente.
Esse desafio teve um impacto profundo na trajetória da
Kodokan. Ele solidificou a reputação do Judô como uma arte marcial moderna e
eficaz e elevou Shiro Saigo ao status de lenda. Sua habilidade e espírito de
luta se tornaram símbolos do que o Judô representava: não apenas força, mas
também estratégia, adaptação e respeito aos princípios.
Episódios como o de Seki e Saigo ajudaram a construir o
legado do Judô, transformando-o em uma arte marcial que não apenas superou as
escolas tradicionais, mas também evoluiu para se tornar uma disciplina
mundialmente reconhecida. A “tempestade na montanha” de Saigo continua a ecoar
como uma das grandes histórias dos primórdios do Judô.
O torneio
histórico contra a Ryoi Shinto-ryu (1886)
Em 1886, a polícia metropolitana de Tóquio organizou um
torneio para decidir qual escola deveria treinar suas forças. Duas escolas
principais se enfrentaram, a Kodokan (Judô), representando o novo sistema de
Kano que ganhou fama por causa dos desafios que venceu, e a Ryoi Shinto-ryu
(Jiu-Jítsu), uma escola tradicional com reputação consolidada.
Realizado no dojô da polícia, o torneio contou com 15 lutas
oficiais. Shiro Saigo, aluno de Kano, destacou-se, ao usar sua famosa técnica
Yama-arashi (tempestade na montanha) para derrotar adversários mais pesados. A
Kodokan venceu 13 lutas, empatou 2 e perdeu apenas 1. Essa vitória estabeleceu
o Judô como o sistema marcial mais eficaz da época, garantindo seu uso pela
polícia e aumentando a reputação da Kodokan.
O confronto com a
Fusen-ryu (1900)
No início do século XX, a Kodokan lançou desafios em
jornais, o que a levou a enfrentar a Fusen-ryu, liderada por Mataemon Tanabe.
Diferentemente de outras escolas, a Fusen-ryu priorizava o ne-waza (técnicas de
luta no chão), algo que não era o foco principal do Judô na época. A estratégia
da Fusen-ryu era evitar o confronto em pé, os lutadores sentavam-se, atraindo
os judocas para o chão, e usavam estrangulamentos, imobilizações e chaves para
vencer. Isso fez com que a Kodokan sofresse várias derrotas, expondo uma
fraqueza significativa no combate no solo.
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ataemon Tanabe
demonstrando um Juji Gatame |
A resposta de Kano
Reconhecendo a superioridade da Fusen-ryu no ne-waza, Kano
agiu com humildade e pragmatismo e convidou Tanabe e outros mestres da
Fusen-ryu para ensinar na Kodokan. Kano incorporou intensivamente o treino de
ne-waza ao currículo do Judô. Esse episódio marcou a evolução do Judô para uma
arte marcial mais completa, equilibrando o tachi-waza com o ne-waza. Essa
mudança teve influência direta no desenvolvimento do Brazilian Jiu-Jítsu, por
meio de Mitsuyo Maeda, o “Conde Koma”.
A consolidação
contra outras escolas (1900 – 1920)
Nos anos seguintes, a Kodokan enfrentou praticantes de
outras escolas de Jiu-Jítsu que buscavam recuperar prestígio ou provar a
superioridade de seus estilos. Graças ao aprimoramento no ne-waza e a já
consagrada habilidade no tachi-waza, a Kodokan conseguiu dominar esses
desafios. As vitórias consistentes solidificaram o Judô como o sistema marcial
dominante no Japão, com outras escolas de Jiu-Jítsu entrando em declínio.